terça-feira, 21 de março de 2017

FALSAS VERDADES

Escrito entre 19 de Janeiro a 20 de Março de 2017.
Postado de 31 de Março a 24 de Junho de 2017.

FALSAS VERDADES
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SINOPSE 
Falsas verdades. Já ouviu falar? A verdade distorcida é uma mentira, e uma mentira contada sem se saber que se trata de uma mentira é uma falsa verdade.
Michelle e Laura viviam um casamento de 20 anos, aparentemente firme, inabalável e perfeito. Mas perfeição não existe, não é? Quando o primeiro amor de Laura pede para que as duas recebam sua filha em casa, hospedando-a até que ela se adapte à vida universitária, o que pode acontecer? Será que hospedar a filha de seu primeiro amor trará lembranças para Laura? Ou será que isso colocará coisas na cabeça de Michelle?

***
Laura e Michele… Ah! Sim e, Amanda.
Diedra ressurge e nos faz odiar a verdade nua. 
Um casamento de 20 anos, inquestionável, inabalável como um castelo de pedra, porém uma suave brisa de verão faz deste castelo areia, pó.
Uma história de amor contada com a precisão peculiar da autora. Emocionante, envolvente. E no ponto final uma certeza: antes uma mentira descoberta do que falsas verdades alicerçando vidas. A primeira nos magoa, a segunda destrói sonhos.
(Wind Rose)

OBSERVAÇÃO IMPORTANTE:  
Este é um "romance musical", recomenda-se ouvir as músicas indicadas para melhor aproveitamento da leitura dos capítulos. #ficaadica

PLAYLIST DA HISTÓRIA:
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OBSERVAÇÃO SUPER IMPORTANTE: 
O livro não está completo aqui no site, disponibilizamos apenas os três primeiros capítulos para degustação. 

CAPÍTULO 01



- Laura?
Antes de virar-se, Laura sorriu. Não de forma espontânea, mas deliberadamente planejada, o tipo de felicidade e simpatia permanentes que o traquejo social sempre lhe exigia e que, exatamente por isso, manejava com relativa e quase indolor facilidade.
- Essa música não faz você se lembrar de nada?
Parou para prestar atenção no som e imediatamente a reconheceu.
You don't wanna save me, sad is my song. When you believe in things that you don't understand then you suffer.
Mas, ao invés de admitir e se deixar impregnar pela miríade de recordações que ouvir Superstition lhe trazia, sorriu para Elaine com o misto de implicância e intimidade que a amizade de tantos anos lhe proporcionava:
- Na verdade... Não.
Deixando-a inegavelmente indignada:
- Como não?
Bateu de leve, de forma quase condescendente no rosto de Laura antes de completar:
- Um sério caso de DVC...
Riram juntas, com o humor particular, peculiar e único que as duas compartilhavam. E que fez a mulher ao lado de Laura se manifestar:
- DVC?
Com um sorriso divertido, Laura esclareceu:
- Danada da velhice chegando.
O próximo movimento foi de Elaine. De uma forma irrecusável, pediu:
- Michelle, minha querida... Você me emprestaria sua parceira um instante?
Michelle concordou imediatamente:
- Nem precisava me pedir. Afinal...
Olhou profundamente nos olhos de Laura ao completar:
- Eu não tenho poder algum sobre a Laura.
Laura riu:
- Imagina se tivesse então...
Elaine encerrou o diálogo puxando Laura para o meio da sala, onde começaram a dançar juntas, rindo e se divertindo como se estivessem de volta ao passado.
Apesar de terem plena consciência de que, mesmo se desejassem, nada mais era nem seria como antes. O tempo não retornaria jamais.
***
Laura conhecia Elaine muito bem. Nem os anos nem a distância entre as duas havia mudado isso. A ponto de saber, só de olhar para a amiga, que ela tinha algo importante a lhe dizer:
- Eu queria te pedir um favor.
Esperou que Elaine completasse, entre perplexa e aturdida.
- Mês que vem começam as aulas da Amanda na UFSC e eu preferia que ela não morasse sozinha em Florianópolis.
Aquilo deixou Laura mais surpresa ainda:
- Você está sugerindo que a sua filha more comigo?
Elaine confirmou, visivelmente constrangida:
- Pelo menos no início. Até ela estar adaptada à faculdade e à cidade.
Fazia anos que a amizade delas tinha adquirido uma tonalidade esfumaçada. E Laura sabia exatamente o porquê:
- O Ricardo está de acordo?
A única coisa que Elaine conseguiu dizer foi:
- Laura...
De um jeito que não amenizou a indignação de Laura. Muito pelo contrário, apenas reabriu a ferida antiga:
- Ou ele não acha mais que homossexualidade é contagiosa?
Virou-se de costas para Elaine, para recuperar o controle e não desabafar mais do que isso. Foi neste momento exato que Ricardo abriu a porta e entrou no escritório onde elas estavam:
- Meu amor, as pessoas estão perguntando por você.
Bastou um único olhar em direção a Elaine para saber o que havia interrompido:
- Vocês estão conversando sobre a Amanda?
Laura enxugou as lágrimas do rosto antes de virar-se para aquele que, de tantas formas, tinha sido e ainda era seu adversário:
- Ricardo, me diz uma coisa: sua filha morando comigo. Como é isso pra você? Não acha mais que é um perigo? Que eu posso atacar a menina ou algo parecido?
Ricardo replicou de imediato. No mesmo tom irônico:
- Não seria a primeira vez.
Sem acreditar no que tinha ouvido, Laura apenas perguntou:
- Como é?
A risada de Ricardo continha um misto de deboche, ressentimento e aversão:
- Ah, por favor! Seu passado te condena, Laura. Durante anos você cercou a minha mulher.
Rapidamente, Elaine se colocou entre os dois:
- Vamos parar com isso, por favor?
Não ficou no meio, a distância não foi absolutamente simétrica. Mais próxima a Ricardo, deixando o seu posicionamento claro. Por mais que fosse o costumeiro e esperado, não doeu menos em Laura: 
- Elaine, antes de qualquer coisa, eu preciso saber o que ele pensa. Então, por favor, deixa o seu marido falar.
Ricardo sustentou o rancor de Laura com um sentimento idêntico. A antipatia que sempre haviam sentido um pelo outro era, sempre tinha sido, a única coisa em que os dois concordavam:
- A Elaine confia em você.
A reação de Laura foi sorrir. E sacudir a cabeça em negação antes de afirmar, olhando para a Elaine:
- Eu nunca cerquei a sua mulher. Nem nunca fiz nada com mulher alguma sem que fosse desejado e consentido por ambas as partes. Que isso fique bem claro!
***
Sozinha em um canto da sala, Amanda suspirou. Profundamente. Pelo simples fato de ter que estar ali. Mas era o aniversário de 48 anos da mãe, então não havia outra opção além de obrigar-se a sorrir.
Nenhuma daquelas pessoas imaginava, sequer suspeitavam o que realmente estava sentindo. Apenas a irmã gêmea idêntica e univitelina. E, no entanto, tão diferente de si. Apesar de tão opostas, se compreendiam, eram absolutamente unidas. Juliana era a única que sabia. Vivia repetindo:
- Não sei por que você não conta.
Mas Amanda conhecia os pais o suficiente:
- Só quando eu me sustentar sozinha.
Tinha uma certeza indestrutível:
- Ter uma amiga lésbica é uma coisa. Filha é outra.
Não era algo que intuía, era algo que tinha tomado ciência aos dez anos de idade. Lembrava perfeitamente daquele dia. Estava sentada no colo de Laura, abraçada com ela, como sempre fazia. Tinha uma adoração absoluta pela “tia”. Algo que na época ignorava, mas agora reconhecia. A identificação que entre as duas existia. O pai passou por elas e as olhou com cara de poucos amigos. Assim que Laura foi embora, chamou Amanda e proibiu que aquilo se repetisse:
- Você já está crescida demais.
Sem ser capaz de entender que mal havia, Amanda tentou protestar:
- Mas papai...
E o pai foi quase agressivo:
- Não quero você no colo dela.
Olhou para a mãe em busca de ajuda. E conseguiu:
- Que besteira, Ricardo. A Laura é como se fosse tia das meninas.
Mas o pai estava irredutível:
- Elaine... Nada pessoal contra a Laura, mas ela sendo... O que ela é... Nós temos duas meninas que estão ficando mocinhas, então pra que arriscar?
Amanda nunca tinha visto a mãe se alterar tanto:
- Eu não acredito que você está dizendo isso!
Nem o pai:
- Você mais do que ninguém sabe que eu tenho os meus motivos!
Só então, os dois finalmente se deram conta de que a filha continuava ali, vendo e ouvindo. O pai encerrou num tom ameno e ao mesmo tempo firme:
- Eu preferia que a Laura não viesse mais tanto aqui.
E, depois desse dia, as visitas de Laura se tornaram cada vez mais escassas. Ela e a mãe se afastaram de forma considerável. A ponto de, durante os oito anos que se seguiram, Amanda só tê-la visto vez ou outra, em ocasiões raras, como agora, naquela festa de aniversário.
- Tudo bem?
Arrancada bruscamente das próprias divagações pela irmã, Amanda olhou para ela sem sorrir de volta:
- Defina bem.
Juliana respondeu à altura, como sempre:
- Tá ligada que um término de namoro não é o fim do mundo?
Amanda não deixou barato também:
- Fácil pra você dizer.
Sem se importar com a insinuação da irmã, Juliana replicou:
- Você acha mesmo que a única pessoa que sofre na face da Terra é você?
Sem paciência para engatar mais uma conversa daquele tipo com ela, Amanda propôs:
- Vamos mudar de assunto?
***
Laura ainda continuou naquele escritório muito tempo depois que a conversa terminou e Elaine e Ricardo a deixaram sozinha. Atirou-se na poltrona de Ricardo, a girou para ficar de costas para a porta e suspirou... Longa e profundamente.
Tentou inutilmente afastar o sentimento de apreensão. Era muito difícil a intuição lhe falhar e esta lhe dizia que deveria ter recusado o pedido de Elaine, mas nunca havia sido capaz de negar nada à ela. Por mais que fosse um risco e que muito provavelmente... Na verdade era quase certo que a situação lhe traria... Dor de cabeça, no mínimo.
Já tinha cedido. E concordado em acolher a menina. Então, só restava torcer para estar completamente enganada e para que não se arrependesse depois.
Nesse exato momento, ouviu a porta abrir e fechar. Antes que pudesse fazer ou dizer qualquer coisa, escutou:
- Eu só quero conversar com você...
O instante de silêncio entre uma fala e outra deixou claro que se tratava de uma conversa no celular:
- Depois de seis meses de namoro, acho que é o mínimo que eu mereço.
Laura permaneceu imóvel, esperando que a pessoa desligasse e saísse de novo, mas isso não aconteceu:
- Eu estou te pedindo... Por favor, Rafaela...


Amanda se humilhou, sem o menor constrangimento. Pouco importava. Para ter Rafaela de volta estava disposta a qualquer coisa. Tudo, menos perdê-la.
No entanto, o tom que a outra usou, a forma como a tratou, fez com que perdesse a cabeça completamente. Passou de chorosa a irada:
- Sua escrota! Sua filha da puta! Sua...!
Antes que pudesse concluir, Rafaela desligou, levando o descontrole de Amanda ao extremo. No auge da fúria, atirou o celular contra a parede.
***
O aparelho se abriu numa chuva de pedaços em cima da cabeça de Laura, fazendo-a emitir um som involuntário, que tornou impossível continuar a fingir que não estava ali. Girou a cadeira lentamente, até ficar frente a frente com a autora do “telefonicídio”.
Sua surpresa não poderia ser maior.
***
Absolutamente mortificada, a única coisa que Amanda conseguiu gaguejar foi:
- Desculpe, eu... Eu não sabia que você estava aí.
Escondeu o rosto nas mãos enquanto dizia:
- Ai, que vergonha...
Laura levantou sorrindo. Em parte, por estar achando graça na situação, em parte por querer acalmar a menina:
- Tudo bem, acontece nas melhores famílias.
A mente de Amanda trabalhou febrilmente, buscando uma saída. No auge do desespero que a possuía, a primeira coisa que cogitou foi algo que há muito tempo não fazia: fingir que era a irmã. Sempre funcionava, pois com exceção dos pais, as pessoas dificilmente conseguiam distingui-las. Ficou perplexa quando Laura disse:
- Amanda, olha pra mim.
Sentindo-se completamente perdida, fez o que ela pedia:
- Você não vai contar pra ninguém, vai?
Por parte de Laura não houve hesitação alguma:
- Não. Pode ficar tranquila.
Apenas estranhamento:
- Seus pais não sabem de você?
O nervosismo de Amanda já seria suficiente para dirimir qualquer dúvida:
- Nem desconfiam.
As duas se olharam durante alguns segundos. A música que vinha da sala irrompendo o silêncio que as envolvia.
Slow down, you crazy child, You're so ambitious for a juvenile. But then if you're so smart tell me why are you still so afraid?
- É a sua primeira namorada?
Amanda achou a pergunta no mínimo engraçada:
- Eu tenho dezoito anos.
Laura também riu. Por uma razão totalmente diferente:
- Isso não quer dizer nada.
Com um misto de orgulho e arrogância, Amanda declarou:
- Minha primeira namorada foi aos dezesseis.
A condescendência na voz de Laura era indisfarçável:
- A minha foi aos vinte e três.
Dessa vez Amanda riu como se não acreditasse:
- Eu sempre pensei que você... Sempre tivesse sido...
Foi a vez de Laura rir:
- Quando eu tinha a sua idade não era fácil como é agora.
Aquilo deixou Amanda indignada:
- Não é nada fácil.
Voltaram a se olhar. Profundamente.
Cada uma com sua verdade.
E, mais uma vez, Laura foi a primeira a voltar a falar:
- A sua geração desconhece o real significado da palavra “dificuldade”. E de muitas outras palavras, aliás...
Amanda compreendia perfeitamente o desprezo dela:
- Sou obrigada a concordar com você.
Antes que Laura se recuperasse da surpresa, completou:
- Eu não me identifico com a minha geração. Não sou infantil, alienada e mimada como as outras pessoas da minha idade.
Laura olhou para a marca que tinha ficado na parede e depois para as partes do celular no chão. Antes de debochar:
- Ah, não?
Nem precisou falar mais nada, Amanda captou perfeitamente:
- Você nunca amou alguém a ponto de perder a cabeça?
Naquele momento, Laura percebeu que a semelhança entre Elaine e Amanda não era apenas física.
- Talvez. Mas foi há muito tempo. Tanto que eu nem lembro direito.
Mesmo sem entender ao certo o porquê, aquilo despertou em Amanda uma curiosidade imensa:
- Sua primeira namorada, talvez?
O sorriso de Laura foi ainda mais enigmático:
- Não. Foi antes disso.
O que impulsionou Amanda foi um sopro, inexplicável e desconhecido, que tornava necessário, precisava saber:
- Mas era uma mulher?
O mesmo que fez Laura responder:
- Uma garota. A minha melhor amiga e... O meu primeiro amor.
Aquilo deixou Amanda inteiramente confusa:
- Mas eu pensei que...
Não fazia sentido, por que segundo a mãe, ela e Laura tinham sido as melhores amigas desde sempre.
Bastou um olhar para Amanda para Laura saber o que ela estava pensando.
Por um segundo, arrependeu-se.
Ainda não tinha falado nada demais, poderia simplesmente voltar atrás. No entanto, algo incompreensível a fez dizer com todas as letras:

- O primeiro amor da minha vida foi a sua mãe.
  
AVISO SUPER IMPORTANTE: 
O livro não está completo aqui no site, disponibilizamos apenas os três primeiros capítulos para degustação. 

Postado originalmente em 31 de Março de 2017 às 18:00.

CAPÍTULO 02


A primeira reação de Amanda foi ficar olhando para Laura boquiaberta. A segunda foi gaguejar:
- Quer dizer que... A Minha mãe...
Laura sequer a deixou completar:
- Sempre fomos só amigas e mais nada.
Fazia muito tempo. Tanto que já não era capaz de saber ao certo se a afirmativa era mesmo verdade...
***
Entraram no apartamento rindo e tropeçando. Enquanto trancava a porta com a dificuldade que a embriaguez lhe proporcionava, Elaine pediu silêncio:
- Psiuuuu...
Tão alto que Laura riu ainda mais, tapando a boca com a mão em uma tentativa inútil de abafar o ruído.
- Assim meus pais vão acordar!
A luz se acendeu e as duas se assustaram. Mais ainda quando a mãe de Elaine, parada na porta da sala de camisola absolutamente séria, falou:
- Elaine, você sabe que horas são?
Laura se manteve imóvel, sem respirar, temendo que o mínimo movimento denunciasse o estado etílico em que se encontravam. Não adiantou nada. A mãe de Elaine percebeu, bastou um único olhar:
- Vocês estão bêbadas.
“Merda!”. Laura pensou, mas não falou. Elaine negou:
- Claro que não, mamãe. Só cansadas.
E antes que a mãe se aproximasse para averiguar, pegou Laura pela mão e a puxou em direção ao quarto. Trancou a porta atrás delas e se olharam:
- Puta merda!
Riram da mesma forma sincronizada.
- Minha mãe é um saco! Faz marcação cerrada!
Laura discordava:
- Passa um dia na minha casa daí você vai ver o que é marcação cerrada!
Elaine protestou:
- Cara... Você reclama de barriga cheia...
Olhou para o relógio que sempre usava no pulso:
- São só onze horas! Não seria problema chegar agora na sua casa.
Sem a menor vontade de continuar aquele assunto, Laura desconversou:
- Posso ligar o som?
- Precisa perguntar?
- Sei lá... Sua mãe não vai encrencar?
- É só deixar baixo.
- Então tá.
Enquanto Laura escolhia um LP da coleção da amiga e o colocava na vitrola, Elaine tirou os sapatos e atirou-se de costas na cama, de forma absolutamente dramática:
- Pobre da minha mãe... Querendo proteger a minha castidade...
A risada de Laura soou alta demais. Ela tentou abafá-la, com as duas mãos na boca, sem grandes resultados:
- Se ela soubesse que não tem um buraco virgem no seu corpo... Ela teria um colapso!
E voltou a rir. Dessa vez com Elaine a acompanhá-la:
- Olha quem fala!
Deitou-se ao lado da amiga na cama, as duas se olharam e, só então, com o silêncio que subitamente se fez entre elas, ouviram a música que tocava.
Chega de tentar dissimular e disfarçar e esconder o que não dá mais pra ocultar e eu não posso mais calar já que o brilho desse olhar foi traidor e entregou o que você tentou conter...
Elaine sorriu. Laura também.  
Uma força desconhecida fez os olhos de Laura descerem para os lábios de Elaine. Sentiu uma vontade incontrolável de beijá-la, o simples pensamento provocando uma excitação, um calor, uma vibração que Laura nunca tinha provado.
Eu quero mais é me abrir e que essa vida entre assim, como se fosse o sol desvirginando a madrugada...
Levou menos de um segundo para agir, na tentativa de concretizar o que desejava. No entanto, a vontade não se tornou realidade, pois Elaine desviou a boca e a afastou, empurrando Laura pelos ombros. Com um riso nervoso repleto de perplexidade, indagou:
- O que foi isso?
Laura fez a única coisa que a inexperiência e a insegurança de seus dezoito anos lhe permitiam: fechou os olhos e, enrolando um pouco a língua, com visível dificuldade, sussurrou:
- Desculpa... Eu... Acho que... Bebi demais.
Mas não estava nem um pouco arrependida. Muito pelo contrário.
***
Laura foi trazida de volta pela voz de Michelle chamando-a:
- Laura? Minha querida?
Acompanhou o olhar dela para Amanda e sorriu:
- Lembra da Amanda?
A expressão de Michelle mudou imediatamente. Surpresa, quase chocada:
- Deus do céu!
E depois, foi de uma simpatia absolutamente encantadora:
- Desculpe, Amanda, eu não te reconheci. Afinal, a última vez que te vi você era só uma menina e agora virou uma mulher... Linda, por sinal! Como vai?
Estendeu a mão para Amanda, trocaram beijinhos antes de Michelle completar:
- É sempre um choque ver como as crianças crescem rápido.
Amanda sorriu, mas não disse nada. Apenas observou as duas mulheres, com um misto de admiração e inveja incontroláveis.
As duas não se tocaram. Nem era necessário. Era inquestionavelmente perceptível que se tratava de um casal.
- Vamos? Estou um pouco cansada.
- Também estou.
Olharam juntas para Amanda, que sorriu, bastante sem graça. Por diversas razões, algumas óbvias, outras que sequer saberia nomear:
- Eu vou... Pegar o meu celular...
Passou por elas e abaixou-se para juntar as partes espalhadas no chão e voltar a encaixá-las, enquanto em resposta à indagação no olhar de Michelle, Laura explicava:
- Ela deixou cair.
Acrescentando à frase uma piscada que Amanda não viu, mas que deixava claro para Michelle que explicaria mais tarde, quando estivessem sozinhas no quarto de hotel que as esperava.


As três saíram do escritório juntas, separaram-se quando chegaram na sala. Amanda para o lado da irmã, que perguntou assim que a viu:
- Que foi?
Obtendo um significativo:
- Nada.
Laura e Michelle em direção a Elaine e Ricardo. Antes que pudessem alcançá-los para se despedirem, as primeiras notas da próxima música soaram, inconfundíveis. Michelle parou, puxou Laura pela mão e sorriu. Laura virou-se para ela e sorriu de volta, sabendo exatamente qual era a proposta naquele olhar, sem que Michelle precisasse falar. Apontou para Michelle e cantou:
- Don't go breaking my heart...
Ela respondeu na mesma hora:
- I couldn't if I tried...
Chamou Laura fazendo sinal com o dedo indicador, e ela prontamente a atendeu. Continuaram cantando em uníssono:
- Honey if I get restless, baby, you're not that kind...
Riram juntas. E começaram a dançar, de mãos dadas, movendo-se numa sintonia que ia muito além do ritmo da música. Como se só houvesse as duas na pista de dança improvisada.
***
Em pé atrás de Michelle, Laura olhou para ela através do espelho da pia do banheiro:
- Você não vai dizer nada?
Com a serenidade de sempre, Michelle terminou de bochechar, cuspiu e guardou a escova de dente na nécessaire antes de virar-se para Laura:
- O que você quer que eu diga, Laura?
Laura suspirou, com uma tensão perceptível:
- Eu não tive muita escolha, Mi. O que mais eu poderia fazer?
O sorriso de Michelle foi irônico:
- Dizer não para a Elaine. Só pra variar.
Saiu do banheiro com Laura atrás:
- Vão ser só alguns meses e... Não custa nada.
Michelle parou tão abruptamente que, se Laura não estivesse absolutamente atenta, teria esbarrado nela:
- Como não? Eu sequer vou mencionar o fato de que isso vai tirar boa parte da nossa privacidade. O pior mesmo é que vamos ter uma adolescente em casa.
Na mesma hora Laura contestou:
- Ela não é adolescente. É uma jovem de dezoito anos começando o curso de engenharia em uma universidade federal.
A resposta de Michelle foi dada enquanto ela depositava a nécessaire em cima da mesinha de cabeceira ao lado da cama:
- É uma garota que até hoje viveu em uma cidade do interior, sob o controle dos pais conservadores e ainda dentro do armário. E que de repente vai se ver livre, leve e solta em uma cidade que, pra ela, é grande. Está preparada? Por que as consequências são evidentes e inevitáveis.
Sem nem sentir, Laura sacudiu a cabeça de um lado para o outro, tentando negar o incontestável:
- Não é bem assim.
Michelle afastou o lençol da cama e se deitou debaixo dele:
- Ela vai se assumir. E eles vão te culpar. Isso, no mínimo.
Laura deu a volta na cama, e deitou-se ao lado dela:
- Ao invés de ficar especulando todas as desgraças possíveis e imaginárias, vamos dar um voto de confiança pra girina?
Beijou Michelle de leve nos lábios antes de completar:
- Ahn? Que tal?
Michelle deu de ombros:
- Ok, vamos ajudar a girina a virar sapa.
Esticou a mão para alcançar os interruptores na cabeceira do lado dela da cama e apagou as luzes. Deixou aceso apenas um pequeno abajur, bem fraco, ao lado de Laura. Esta aproximou-se, de tal forma que, quando Michelle voltou a virar-se, viu-se nos braços dela:
- O que é isso? Uhm? Você nunca foi assim.
A boca percorreu o pescoço de Michelle numa carícia suave, que a fez estremecer, de forma involuntária. Um efeito que o tempo só havia melhorado.
- Talvez seja a idade. Ou quem sabe, todos esses anos em sala de aula tenham me deixado... Um pouco cética com essa juventude de hoje.
Laura se afastou apenas o suficiente para erguer a cabeça e fitá-la:
- Nós éramos melhores com a idade deles?
Os olhos chamejaram com o mesmo calor que aquecia os dela:
- Talvez. Quem sabe? Prefiro pensar que...
Escorregou a mão pelo pescoço de Laura, puxou-a pela nuca:
- Estamos nos aprimorando...
Roçou os lábios de leve, provocando-a:
- Cada vez mais.
Laura concordou no mesmo tom rouco, absolutamente sedutor:
- Em alguns aspectos, isso é inegável.
Antes de beijá-la com uma doçura narcotizante, sem pressa alguma e nem por isso, de forma menos intensa ou profunda. Só separaram os lábios muito tempo depois. Por Michelle, o assunto havia terminado. Mas Laura fez questão de retomá-lo:
- Sabe de uma coisa? Eu me lembro de achar que meus pais e todos da idade deles não sabiam de nada.
A resposta de Michelle foi cantarolar:
- Não confie em ninguém com mais de 30 anos...
Com uma nostalgia inevitável, Laura soprou:
- E agora não confiamos em ninguém com menos de trinta.
Imediatamente, Michelle a corrigiu:
- Trinta e cinco, no mínimo!
Riram juntas.
- Passamos pro outro lado, é isso?
Michelle enlaçou Laura pelo pescoço e a puxou para si:
- Isso nunca, meu amor! Continuamos nossa luta subversiva contra as estruturas perversas do poder!
Encaixou-a entre as pernas, grudando os corpos:
- Elas é que mudaram de figura. 
Laura deixou escapar um primeiro gemido:
- Uhm...
Uma das mãos buscou os seios, a outra subiu pela perna de Michelle, levantando a camisola até acima da calcinha:
- Quebrar paradigmas com você, minha querida...
Antes de invadir a peça íntima:
- É sempre um prazer...
Gemeram juntas quando os dedos de Laura deslizaram com total intimidade na umidade latente, ardente e receptiva.
A última palavra foi sussurrada por Michelle, num gemido:
- Indescritível.

OBSERVAÇÃO SUPER IMPORTANTE: 
A história não está completa aqui no site, disponibilizamos apenas os três primeiros capítulos para degustação. 

postado originalmente em 05 de Abril de 2017 às 18:00.

CAPÍTULO 03


- Eu não acredito!
Foi a primeira coisa que Amanda falou, assim que entrou na sala do apartamento de Laura. Largou a mala de rodinhas que puxava e praticamente correu em direção à Jukebox que a deixara extasiada:
- Isso é demais!
Coube a Elaine abraçar e beijar Laura e Michelle e tentar desculpá-la:
- Juro que normalmente ela é bem mais educada.
Juliana entrou logo depois da mãe e também cumprimentou as duas antes de falar, de um jeito absolutamente bem-humorado:
- Quem não surtaria ao ter seu maior sonho realizado?
Inteiramente alheia ao que acontecia a seu redor, Amanda permaneceu alguns minutos debruçada sobre a máquina. Teria continuado muito mais tempo ali, se a mãe não a chamasse. Só então caiu em si. Virou-se completamente vexada:
- Desculpem... Me empolguei.
Elaine caminhou até a filha e passou o braço protetoramente ao redor dela, pronta como sempre para salvá-la:
- Amanda sempre foi apaixonada por Jukebox. Desde pequenininha.
Pelo sorriso de Michelle ao fechar a porta, Laura sabia perfeitamente o que ela estava pensando: “eu te avisei”. No entanto, sua própria paixão por Jukebox fazia com que Laura compreendesse a reação deslumbrada da menina e a relevasse, a ponto de sugerir:
- Quer colocar uma música?
A empolgação fez a voz de Amanda soar um tom acima:
- Posso?
Laura sorriu:
- Sinta-se em casa.
Não havia nada de formal na frase, muito pelo contrário. Foi com total sinceridade que falou. A mesma com que Amanda recebeu e retornou a generosidade daquela acolhida:
- Obrigada.
Os olhos se encontraram e cintilaram um reconhecimento muito além das palavras.
- Amanda, minha filha, não é melhor conhecer o resto do apartamento primeiro? Ver onde vai ser o seu quarto e colocar as suas coisas lá?
O desapontamento de Amanda estava explícito, em sua cara. Bem como a impossibilidade de contrariar a mãe. Desta vez foi Michelle a socorrê-la:
- Enquanto a Amanda escolhe uma música, vamos tomar algo? Um café, um chá, um suco, uma água?
Fez um gesto para que Elaine a acompanhasse. Juliana se juntou à irmã gêmea em frente à Jukebox e Laura ficou um instante observando as duas.
Ao ver os títulos das músicas, Juliana fez uma expressão quase de horror:
- Só tem velharia!
Amanda retrucou do alto da superioridade que os minutos que a faziam mais velha lhe conferiam:
- Velharia não, clássicos! A maioria dos anos 70! - completou com um brilho de pura felicidade nos olhos.
A gêmea caçula replicou com uma implicância afetuosa e cúmplice:
- Nossa, não poderia ser mais perfeito... Pra você, sua esquisitinha!
O diálogo fez Laura sorrir, num misto de carinho e melancolia. Sim, elas tinham crescido, tanto que lhe pareciam quase desconhecidas. Ao contrário de quando eram crianças, pouco sabia sobre elas ou do que gostavam. Muito menos o tipo de pessoas que haviam se tornado. A única informação que possuía era aparente e, portanto, superficial: o quanto fisicamente ambas lembravam... Na verdade, eram quase iguais à Elaine naquela idade.
Afastou rapidamente a nostalgia que ameaçou tomá-la antes de virar-se em direção a cozinha, onde Michelle e Elaine estavam.
Assim que cruzou a soleira da porta, deparou-se com Elaine num banco alto, sentada sobre uma das pernas como lhe era de hábito. Nada demais. Se, ironicamente, a música escolhida por Amanda não começasse a tocar.
No matter what you are, I will always be with you. Cause no matter what you do, girl. Oh girl, with you.
Ecoando um sentimento que julgava devidamente extinto, mas que naquele momento pareceu voltar a assombrá-la. O inferno de serem tão próximas, mas não como desejava. Vê-la dia após dia, sem poder tê-la. Durante anos e anos, primeiro sem saber ao certo do que se tratava. Quando finalmente soube, mais alguns anos sem querer admitir, sem ser capaz de confessar nem para si mesma. Tinha tentado, com inúmeros ficantes e namorados, disfarçar, impedir que sequer desconfiassem o que não deveria nem jamais poderia sentir pela melhor amiga. Uma espécie de amor que na época julgava impossível. Mais do que isso, sórdido e condenável.
Uma fase de sua vida que, assim como a emoção trazida pela música, não passava de uma cicatriz, uma névoa, um fantasma do passado. Completamente fora de sua atual realidade. Foi o que Laura repetiu para si mesma, tentando transformar a mágoa em convicção e a incerteza em verdade. 
A voz de Michelle a trouxe de volta:
- O que você quer, meu amor?
Sorriu para a companheira:
- O que vocês estão tomando?
Foi Elaine quem respondeu:
- Um chá gelado. Delicioso, por sinal. Você precisa me passar a receita, Mi.
Desviando a atenção de Michelle para si:
- É bem fácil. Vou te passar pelo whats.
Laura acompanhou o diálogo leve e corriqueiro entre as duas com uma impressão de surrealidade:
- Ele emagrece, será?
- Talvez, quem sabe? Me achou mais magra?
- Pra dizer a verdade, achei sim. Você e a Laura.
- Ah, então não é o chá, porque a Laura nunca toma.
- Ela continua detestando chá e mate? E eu que pensei que o gosto das pessoas melhorasse com a idade...
No matter what you do I will always be around. Won't you tell me what you found, girl? Oh girl, want you.
Lançou um olhar absolutamente implicante para Laura, que engoliu a resposta que tinha na ponta da língua: “se melhorasse você não continuaria casada com o Ricardo”. Ao invés disso, passou os braços redor de Michelle e puxou-a para si. Soprou baixinho, antes de beijá-la nos lábios:
- Acha que eu preciso melhorar?
Recebeu a resposta logo depois, no mesmo tom que havia falado. Em seu ouvido, para que só ela escutasse:
- Está perfeita do jeito que está.
Arrepiou inteira e voltou a beijá-la, desta vez com uma veemência ainda mais inflamada, aquela que as duas décadas juntas só tinha aumentado.
Quando as bocas se separaram e afastou-se, deparou-se com o olhar de Elaine fixo nela, com uma intensidade que não conseguiu entender, traduzir, muito menos decifrar.
***
Amanda escolheu a música e a colocou para tocar apenas para, menos de um segundo depois, se arrepender. Pois foi impossível ouvi-la sem pensar em Rafaela. Na mesma hora, a alegria causada pela Jukebox se dissipou completamente. Tentou disfarçar, mas a irmã a conhecia bem demais:
- Não fica assim. Vamos lá, levanta essa cabeça!
O sorriso não impediu que algumas lágrimas escorressem. Afirmou muito mais para si mesma:
- Eu vou ficar bem.
Com as mãos de Amanda entre as dela, Juliana a apoiou incondicionalmente, como sempre fazia:
- Tenho certeza.
Num ímpeto, Amanda agarrou-se à irmã, extravasando o que estava sentindo:
- Vou morrer de saudade de você!
Nunca haviam se separado tão em definitivo. Juliana a abraçou com a mesma impressão de perda irreversível:
- Eu também!
Levando Amanda a protestar:
- Você tinha que vir comigo, sua besta!
Juliana respondeu à altura:
- Vou continuar no conforto e na mordomia da casa da mamãe e do papai, vou ter um carro só meu, e a besta sou eu?
Obteve o efeito desejado. Amanda riu, junto com ela. Mas não demorou para que ficasse novamente séria:
- Estou com medo de não ter feito a escolha certa.
Apenas para ouvir o que já sabia que Juliana iria dizer:
- Você pode voltar pra casa a hora que quiser. Mas te conheço, irmãzinha. Tenho certeza que não vai se arrepender.  Rio do Sul é pequena demais pra você.
O olhar absolutamente inseguro que recebeu da irmã a fez completar:
- Aqui você vai poder escancarar o seu armário sem medo.
Amanda deixou escapar um suspiro:
- Que graça tem escancarar um armário vazio?
De forma tão dramática que Juliana riu antes de sugerir:
- Quem sabe a Laura e a Michelle te apresentam alguém?
Nem a provocação foi capaz de tirá-la do estado de melancolia em que se encontrava:
- Ah, Ju, eu não sei se...
Juliana sequer cogitou a hipótese de o protesto ter a ver com idade. Amanda sempre tinha se interessado por mulheres mais velhas, a própria Rafaela tinha vinte e oito anos, dez a mais que elas. Sabia perfeitamente do que se tratava:
- Não me venha com essa conversinha de “eu nunca mais vou amar outra pessoa na vida”, porque ninguém merece!
Neste exato momento, Elaine entrou na sala, seguida por Laura e... Michelle:
- E então, Amanda? Pronta pra sua nova vida?
***
Somente depois de mil e uma recomendações, abraços, beijos e lágrimas, Elaine foi embora com Juliana. Laura fechou a porta do apartamento atrás de si com a última frase da amiga antes de entrar no carro reboando em seus ouvidos:
- Estou confiando meu bem mais precioso a você. Por favor, cuide dela como se a filha fosse sua.
Virou-se para Michelle e Amanda demonstrando uma alegria e animação em que absolutamente não estava:
- Que tal uma pizza?
Michelle perguntou diretamente para Amanda:
- Quer ir numa pizzaria?
Apenas para evidenciar o que já intuía:
- Na verdade, eu estou um pouco cansada.
Laura já tinha a solução pronta:
- Tudo bem. Podemos pedir.
Na verdade, o alívio que sentiu não poderia ser maior, pois não estava com a menor vontade de sair de casa.
Completamente constrangida, Amanda foi polida:
- Não precisam se incomodar por minha casa.
Laura tentou deixá-la mais confortável:
- Incômodo algum.
Michelle mostrou o caminho:
- Nós vamos pedir pizza de qualquer jeito, sabe por quê?
Falaram juntas, para espanto de Amanda:
- Porque hoje é sábado!
Depois riram, deixando-a perdida, sem entender nada e ainda mais sem graça. Percebendo a confusão da garota, Laura explicou:
- É de uma poesia. “O dia da Criação” de Vinícius de Moraes.
Totalmente arrependida por tê-la deixado de fora da piadinha particular. Algo que para elas era rotina, mas agora havia uma pessoa a mais a ser considerada. Uma pessoa de outra geração, com outros referenciais e que mal conheciam. Não ia ser fácil.
“Já começamos mal.”
A simpatia de Michelle salvou-as, como de hábito:
- Pobre de você, Amanda, convivendo com duas velhas cheias de manias... Vai acabar se acostumando, acho.
Laura aproveitou para pegar o folder da pizzaria:
- Podemos pedir três sabores.
Entregou-o para Michelle, que o estendeu para Amanda com o mais encantador dos sorrisos:
- Escolhe um.
Amanda tentou recusar:
- Acho melhor vocês escolherem...
Amanda nunca tinha sido o tipo de pessoa que não sabe o que quer ou que tem dificuldade em fazer escolhas. Não era esse o problema. Se estivesse em casa, provavelmente seria a primeira a dizer o sabor que preferia. Mas ali era diferente, não tinha intimidade nem se sentia à vontade para escolher o que quer que fosse.
Isso era notório para as três. Entretanto, Laura queria que isso se revolvesse o mais rápido possível. Não só para cumprir o que prometera à Elaine, mas porque realmente queria que Amanda se sentisse bem:
- Pedimos sempre os mesmos. - apontou para si mesma: - Vegetariana. - e depois para Michelle: - Alho e óleo. O terceiro nós sempre alternamos e toda vez é um parto pra decidir.
De um jeito tão engraçado que fez Amanda rir sem nem sentir. O sorriso persistiu em seu rosto quando Michelle completou o pensamento e a fala de Laura, de um modo que Amanda já tinha reparado que as duas sempre faziam:
- Você vai nos poupar horas e horas de debate.
Só então Laura lembrou de perguntar:
- Você gosta de pizza vegetariana e de alho e óleo?
A resposta foi imediata, sem hesitação alguma:
- Sim.
Mesmo assim, Michelle fez questão de confirmar:
- Mesmo?
Amanda voltou a rir:
- Mesmo.
Não perdeu tempo olhando para o cardápio, também tinha um sabor preferido:
- Portuguesa.
Afirmou com firmeza, toda a tensão e o acanhamento anteriores diluídos.
- Fechou.
- Já é.
Não conseguiu perceber quem disse o que, a impressão que tinha era que Michelle e Laura eram só uma. Pensamento que a fez olhar para as duas com um misto de admiração, inveja, curiosidade e...  Algo mais, que não teve coragem de tentar definir.
***
Amanda não estava com sono algum. Mesmo assim foi para o quarto. Precisava ficar um pouco sozinha e não queria impor sua presença mais do que o necessário, muito menos tirar a privacidade de Michelle e Laura.
Atirou-se na cama sem descalçar as sapatilhas e, munida do celular, foi diretamente atrás de Rafaela. Mas não havia nada, nenhuma postagem nova desde a última vez que acessara, enquanto comia pizza alguns minutos atrás.
Estava olhando um vídeo no Youtube quando a aba da parte superior da tela do aparelho abriu, avisando que tinha recebido uma mensagem da irmã no Whatsapp: “Tá fazendo o q?”
Respondeu com uma mensagem de voz:
- Nada. Só deitada na minha nova cama no meu novo quarto.
A réplica também veio em áudio:
- Tá trancada no quarto? Por quê? Medo de ver o que não deve?
Impossível não rir junto com as risadas gravadas pela irmã:
- Elas nem se beijam na minha frente.
Menos de um segundo depois, entrou uma ligação de Juliana. Assim que Amanda aceitou, a irmã disparou:
- Como assim? Mas elas não sabem que você sabe? E elas não sabem que você também é?
A conversa fluiu fácil:
- Saber é uma coisa. Ver é outra.
- Juro que não entendo.
- Como estão as coisas aí?
- A mãe chorou a volta inteira, parecia que vinha de um enterro.
- E o pai?
- Não choraria na minha frente nem se você tivesse morrido mesmo, mas tá com cara de enterro também. Deve ser estranho me olhar e não te ver.
Ficaram em silêncio, cada uma com seus pensamentos. Foi Amanda quem voltou a falar primeiro:
- Ai, que louco isso que você falou!
Juliana riu:
- Cara, louco seria se eu fizesse igual naquele seriado... Como é o nome mesmo?  Aquele que o psicopata coloca um espelho no lugar da cara do boneco depois que o irmão gêmeo dele morre.
- Não lembro o nome, mas sei qual é.
O tom de Juliana mudou, se tornou subitamente sério:
- Amanda...
- Uhm?
- Essa casa tá muito vazia sem você.
Deixou escapar um suspiro. Amanda suspirou também:
- Também estou sentindo falta de vocês.
Assustou-se com o grito de Juliana:
- The Following!
- Quê?
- O nome do seriado. Lembrei.
Voltaram a rir. A ligação caiu, interrompendo-as. Amanda aproveitou para digitar: “to cansada, vou dormir, nos falamos amanhã?”
Como resposta, recebeu uma carinha sorrindo, uma mãozinha com o polegar levantado, uma carinha piscando, três carinhas soprando beijo de coração e vários corações vermelhos. Mandou os mesmos emojis de volta antes de colocar o celular na mesinha de cabeceira ao lado da cama.
Sentiu sede e lembrou que tinha esquecido de encher a garrafa de água, como sempre fazia antes de ir dormir. Ainda estava dentro da mochila, completamente vazia por causa da viagem de Rio do Sul a Florianópolis.
Assim que abriu a porta do quarto ouviu a música que vinha da sala e pensou em desistir da água. Entretanto, uma curiosidade irresistível a impeliu, impulsionando-a a avançar. Deu os primeiros passos com cuidado para não tropeçar na escuridão desconhecida do corredor e então parou ao deparar-se com Laura e Michelle dançando e se beijando na sala.
***
Quando Laura saiu do banho, todas as luzes do apartamento estavam apagadas. Foi o som que a chamou, de forma inexorável. Sem precisar da visão para guiá-la, seguiu a música que tocava, vinda da Jukebox - cuja luz conferia uma penumbra colorida à sala. Na frente do aparelho, com um copo de uísque na mão, Michelle movia o corpo sensualmente, de olhos fechados.
I believe in you. You know the door to my very soul. You're the light in my deepest darkest hour. You're my saviour when I fall.
Em qualquer outra ocasião, Laura colaria o corpo no dela e a acompanharia, sem hesitar. Mas não estavam vivendo uma situação normal. Aproximou-se o suficiente para perguntar num volume baixo voz:
- Onde está a Amanda?
Michelle olhou para ela com um sorriso que não deixava margem para erro:
- Foi dormir.
Puxou Laura para si e beijou-a, de forma absolutamente apaixonada. De início, Laura correspondeu integralmente, exatamente como Michelle esperava. Apenas para, logo depois, recuar, com uma preocupação exagerada:
- E se ela sair do quarto? Pra ir ao banheiro, ou tomar uma água?
Foi cortada com a mais sedutora suavidade:
- Estou beijando a minha mulher na minha sala. Nada demais. Com certeza ela já viu coisas muito mais explícitas. E com a idade que tem, fez também, claro!
Com uma rapidez assustadora, as imagens ameaçaram se formar na mente de Laura, que as afastou antes que realmente se materializassem:
- Prefiro não pensar nisso.
A primeira reação de Michelle foi rir, achando graça no repentino e inédito surto de moralismo de Laura. A segunda foi colocar o copo na mão dela e enlaçá-la pelo pescoço:
- Meu amor... Relaxa...
Fez uma pausa antes de completar:
- É ela que tem que se adaptar à nossa rotina e não o contrário.
Cause we're living in a world of fools breaking us down. When they all should let us be. We belong to you and me.
Laura livrou-se do copo, depositando-o no móvel mais próximo:
- Tem razão.
Abraçou Michelle pela cintura e encostou o rosto no dela, o contato fazendo-a deixar escapar um suspiro. Com o bom humor delicioso que lhe era peculiar, Michelle disse:
- Eu sempre tenho.
O riso que compartilharam pontuou o momento em que começaram a se mover juntas, seguindo o compasso da música.
And it's me you need to show how deep is your love. How deep is your love, how deep is your love?
Os lábios voltaram a se buscar, fazendo com que perdessem a percepção do resto do mundo. Sequer notaram que não estavam mais sozinhas na sala.
***
Presenciar a intimidade das duas despertou em Amanda um sentimento fortíssimo, impossível de evitar. Com uma leve pontinha de despeito e tristeza por não ter alguém com quem compartilhar um momento como aquele e, ao mesmo tempo, embevecida e excitada com a beleza sem igual da cena, não foi capaz de sair dali, queria ver, precisava olhar. Até o fim.
Foi muito mais breve do que esperava, pois quando as carícias começaram a se intensificar, Michelle sussurrou algo no ouvido de Laura, que assentiu com um aceno de cabeça antes das duas se afastarem.
Deveria ter se virado e voltado para o quarto naquele momento, enquanto Laura desligava a Jukebox e Michelle a esperava, mas não o fez. Seus pés pareciam grudados ao chão. Quando finalmente se moveu, era tarde demais, elas já a tinham visto.
***
Michelle não precisou falar duas vezes. Aquele “vamos para o quarto?” sussurrado no ouvido num tom muito mais de exigência do que de convite não permitia uma reação diversa da que teve: Laura concordou e desligou a Jukebox, para atendê-la o mais rápido possível.
Antes que pudesse pegá-la pela mão ouviu Michelle perguntar:
- Nós acordamos você?
Não conseguiu enxergar Amanda, apenas ouviu a voz dela no breu:
- Não, eu só levantei pra pegar água.
Algo no jeito que ela falou, ou talvez o suave tremor entre as primeiras palavras, fez Laura ter certeza de que ela já estava ali há algum tempo. Com a mão unida à de Michelle, a fez caminhar com ela enquanto informava:
- Tem um interruptor aqui, do lado da porta do seu quarto.
Acendeu, para mostrar o lugar exato, antes de completar:
- E outro na parede ao lado da porta da cozinha à esquerda.
Amanda sorriu sem conseguir disfarçar o quanto estava embaraçada:
- Obrigada.
O tom de Michelle foi quase maternal:
- Boa noite, querida.
Fez Amanda sorrir:
- Boa noite.
Laura também desejou, mas de um jeito bem diferente. Quase com formalidade:
- Boa noite.

Antes de entrar no quarto com Michelle e fechar a porta.

OBSERVAÇÃO SUPER IMPORTANTE: 
O livro não está completo aqui no site, disponibilizamos apenas os três primeiros capítulos para degustação. 

postado originalmente em 12 de Abril de 2017 às 18:00.